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domingo, 8 de novembro de 2009

Para historiador alemão, 'muro psicológico' ainda divide população



Início do colapso do Bloco Comunista

.....Os 20 anos que se passaram desde a queda do Muro de Berlim não foram suficientes para encerrar as divisões econômicas e culturais da Alemanha. Essa é a opinião do historiador alemão Hermann Grampp, que nota a crescente equiparação dos indicadores sociais, mas considera que os 28 anos de separação ainda são "uma questão delicada" para a população do país. "Existe uma divisão mental, 'o Muro dentro da cabeça'", afirma, em entrevista ao Último Segundo.


.....Grampp, 32 anos, é mestre em Estudos Históricos pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e também estudou história medieval, ciência política e economia na Universidade Livre de Berlim, onde vive desde 1997.
.....Nascido em Bayreuth, no norte da Baviera, Grampp é considerado um especialista na capital alemã: além de aulas e palestras, ele também se dedica a liderar excursões temáticas sobre Berlim, algumas dedicadas inteiramente à história da barreira que separava a cidade.
.....Nessa entrevista, que faz parte do especial do Último Segundo sobre os 20 anos da queda do Muro de Berlim, Grampp analisa os principais acontecimentos que levaram ao fim da divisão da Alemanha e discute o contínuo impacto deste fato histórico no cotidiano da população.


Hermann Grampp é historiador


Quais acontecimentos foram determinantes para a queda do Muro?


Hermann Grampp – A queda do Muro não foi um evento isolado e deve ser observado no contexto da evolução política dos países do Leste Europeu. A lista de acontecimentos anteriores considerados importantes pode variar. Alguns incluem a Primavera de Praga (movimento que buscou reformar e "humanizar" o Partido Comunista da Tchecoslováquia), em 1968, e muitos lembram o crescimento da resistência católica contra o regime comunista na Polônia, especialmente após 1978, quando foi eleito o papa João Paulo 2º, de quem os poloneses tinham muito orgulho e que ajudou a fortalecer a crença católica durante a década de 1980. E é claro que a eleição de Mikhail Gorbachev para secretário-geral do Partido Comunista, em 1985, foi um fator decisivo nos chamados "ventos de mudança" que atingiram o bloco leste.

Por que a atuação de Gorbachev foi crucial?


H.G. – Basicamente, Gorbachev percebeu como ninguém até que ponto o sistema e a economia da União Soviética estavam completamente desgastados e não poderiam ser salvos sem reformas decisivas por meio de abertura (a Glasnost) e mudança (a Perestroika). Todos esses fatores são decisivos para se entender a queda do Muro de Berlim.


Soldados colocam pedaços de vidro no Muro de Berlim, durante sua construção, para dificultar passagem.


Dentro da Alemanha Oriental, quais foram os eventos decisivos?

H.G. – Os movimentos de resistência cresceram em 1989, estimulados pelos "ventos de mudanças" e motivados pelo crescente colapso do sistema político e econômico da Alemanha Oriental. Em janeiro, as manifestações nas ruas eram tímidas. Em maio, houve grandes protestos contra a manipulação das eleições locais por parte dos comunistas. De julho em diante, as pessoas começaram a deixar a Alemanha Oriental pela Hungria e pela Tchecoslováquia, enquanto, ao mesmo tempo, grandes manifestações contra os comunistas ganhavam importância e colocavam cada vez mais pressão sobre o regime. Esses dois fatores – muita gente deixando o território e milhares de manifestantes nas ruas no fim de outubro – levaram aos eventos de 9 de novembro, quando o Muro finalmente caiu.

Qual foi a reação do governo da República Democrática Alemã (RDA, como se chamava o lado oriental do país) diante dessa crise?


H.G. - Os governantes estavam bastante indefesos. Eles sabiam que precisavam modernizar a legislação sobre viagens para evitar tanto uma implosão, devido à saída de tantas pessoas, quanto uma explosão, devido ao grande número de cidadãos protestando. Até então, quase ninguém podia "passar pelo Muro" e chegar à Alemanha Ocidental, nem mesmo por outros Estados. Isso só valia para aposentados que fossem visitar seus parentes. Então, o governo decidiu facilitar o acesso ao Oeste e, na tarde de 9 de novembro, o porta-voz da RDA leu o rascunho de uma nova lei sobre isso, que ainda não tinha sido publicada. Como resultado, milhares de pessoas fossem até a fronteira, nos chamados pontos de controle. A pressão foi tão grande que, às 23h30, um dos pontos de controle teve de ser aberto. O Muro tinha caído.

Qual a importância deste momento histórico?


H.G. – No contexto da Alemanha Oriental, a queda do Muro foi uma resposta para dois problemas: evasão e manifestações massivas. Em um contexto mais amplo, foi o grande auge, o clímax de um processo que significou, primeiro, o colapso de todo o bloco comunista e, consequentemente, o fim da Guerra Fria. A queda do Muro de Berlim e a imagem icônica de milhares de pessoas festejando no Portão de Brandenburgo são, em nível internacional, o símbolo do fim do grande confronto entre União Soviética e Estados Unidos. Para a Alemanha, marcou o ponto final de 28 anos de separação, agonia e mortes ao longo do Muro, quando as pessoas tentaram escapar do leste para o oeste. Depois, outros processos se seguiram: a rápida corrida da Alemanha em busca da reunificação, em 1990, o colapso da União Soviética, em 1991, e a criação de democracias em quase todos os Estados do Leste Europeu. Hoje, muitos deles estão firmemente ancorados tanto na União Europeia quando no mundo ocidental.

Os dois lados da Alemanha já conseguiram se equiparar totalmente?

H.G. – Vinte anos depois, a divisão entre o lado ocidental e oriental é muito maior do que qualquer pessoa poderia prever em 1989 ou 1990. Isso está relacionado ao total colapso da economia da RDA, a um nível que ninguém, nem mesmo os oficiais do governo, tinha compreendido de verdade. Em 1990, dizia-se que em cerca de quatro ou cinco anos a Alemanha Oriental seria um lugar próspero. Ocorreu o contrário: salários e índices de desemprego continuaram sendo e ainda são muito mais baixos do que os da parte ocidental do país. Por outro lado, hoje a situação é muito melhor do que algumas pessoas pensam. Em geral o pessimismo prevalece, mas um relatório do Instituto de Economia mostrou que o Produto Interno Bruto da Alemanha Oriental equivale, atualmente, a 70% do PIB da Alemanha Ocidental. Esse número pode parecer baixo, mas considerando o colapso do lado comunista em 1989, em condições econômicas normais essa taxa só poderia ser alcançada em 2028. Na verdade, a economia da Alemanha Oriental cresceu duas vezes mais rápido que a de outros países, principalmente devido à assistência financeira do lado ocidental, que continuará sendo dada até 2019. Mas é verdade que grandes regiões da antiga parte comunista, especialmente no Nordeste do país, estão muito fracas economicamente. Os índices de desemprego ultrapassam 20% e muitos jovens deixam esses locais, o que, no futuro, deve levar essas regiões a uma estagnação econômica.


Em 11 de novembro de 1989, centenas de pessoas cruzam a fronteira.




Essas diferenças que persistem interferem na relação entre os cidadãos?


H.G. – Pessoalmente, acredito que ainda é possível dizer quem nasceu na parte oriental e quem veio do lado ocidental. Principalmente em Berlim, onde isso se nota no sotaque: o dialeto berlinense foi muito mais preservado na antiga parte comunista. No geral, porém, eu diria que os alemães orientais e ocidentais se dão bem, embora ainda exista uma divisão mental, ou, como nós chamamos na Alemanha, "o Muro dentro da cabeça". Os alemães ocidentais eram criticados porque agiam de forma muito arrogante na década de 1990, quando a economia da Alemanha Oriental estava sendo reconstruída. Eles tinham fama de ser convencidos, exibidos e presunçosos. Por outro lado, os alemães orientais são vistos como mais tímidos, pessoas que tendem a reclamar mais do que agir. Eles ainda acreditam muito na importância da comunidade, enquanto os alemães da parte capitalista representam o individualismo do ocidente.



Esse tipo de ressentimento também existe entre os jovens?

H.G. – Esperava-se que esses estereótipos – que têm algum fundo de verdade, é claro – fossem desaparecer dez ou 15 anos depois da reunificação. Mas o que é interessante, e também compreensível, é que esses pontos de vista estão sendo passados para as gerações mais novas. Muitos jovens alemães acreditam que nem tudo era ruim na RDA, que no tempo do comunismo havia um melhor sistema de assistência social, as pessoas tinham empregos etc. Seus pais lhe dizem isso, mesmo que seja uma nostalgia sem sentido - ou "ostalgia", como nós falamos, em referência à palavra alemã para leste, "Ost". Por isso, essa divisão invisível em suas cabeças ainda existe e acredito que pode não desaparecer nas próximas três ou quatro gerações.

Então a queda do Muro ainda é uma questão importante para os alemães?

H.G. – É uma questão muito delicada para os alemães. As celebrações dos vinte anos da queda do Muro vêm acontecendo durante todo o ano, com muitas exposições, debates e publicações. Participei de muitos desses eventos e pude testemunhar as discussões acaloradas e apaixonadas sobre, por exemplo, o número exato de pessoas que foram mortas tentando atravessar o Muro. Também pude notar que a imprensa está publicando entrevistas, retransmitindo programas exibidos em 1989 etc. A RDA e a queda do Muro não são de uma época tão distante, mas observo o crescimento do interesse sobre o assunto, que está relacionado à necessidade de alguns anos se passarem até que você possa confrontar o seu passado. Cidadãos observados pela Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental, só estão lendo os arquivos compilados sobre elas agora, vinte anos depois da queda do Muro, sendo que eles estão abertos a todos os alemães desde 1991. Agora, em ano de comemoração, dobrou o número de pessoas que pediram acesso a esses documentos. Elas tinham medo de ler coisas desagradáveis sobre seus vizinhos, amigos ou parentes, que poderiam ter sido espiões. Esse é um fenômeno histórico típico: sempre leva algum tempo até que as pessoas possam confrontar um passado desagradável. Por isso muitas questões importantes da era nazista só foram tornadas públicas na década de 1990, cinquenta anos depois da Segunda Guerra Mundial.

Esse interesse sobre o passado também se reflete entre os jovens?

H.G. – Entre os alemães ocidentais, o grau de conhecimento sobre o lado leste é assustadoramente baixo. Estudos recentes mostraram que muitos jovens com menos de 20 anos não sabem nem o que foi a RDA, quem foram seus principais políticos, como Walter Ulbricht ou Erich Honecker, e não estão cientes o bastante sobre qual era a situação da Alemanha quando um Muro a dividia em dois Estados. Isso está relacionado aos programas curriculares de muitas escolas da Alemanha Ocidental, cujo conteúdo termina na Segunda Guerra. Por isso, muito trabalho precisa ser feito. Se os jovens da Alemanha oriental têm uma imagem errada e cor-de-rosa do passado da RDA e os da Alemanha Ocidental não conseguem contra-argumentar por falta de conhecimento, temos uma mistura perigosa para o futuro da memória coletiva. Mas eu estou otimista.

Fonte: Último Segundo

Clique na imagem e veja gráfico informativo sobre a história do Muro e o que motivou sua construção:

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